segunda-feira, 11 de março de 2013

BSB-CGH

As lembranças são o combustível de que os homens precisam para viver e não importa se elas têm muito ou pouco significado, escreveu Haruki Murakami no simpático "Após o Anoitecer".
O japonês faz uma curiosa analogia com o fogo. A página de jornal, o ensaio de filosofia, o pôster de revista masculina, o maço de dinheiro -tudo não passa de papel na hora de queimar. A chama não discerne. Consome tudo. Não fica exclamando "Nossa! Isto é Kant!" ou "É a edição de hoje da *Folha de S.Paulo*!" ou "Que belo par de peitos!". Para o fogo, é tudo papel.
Com as lembranças, seria a mesma coisa. Lembranças importantes, mais ou menos importantes ou até as bem miúdas: tudo, indiscriminadamente, é material de combustão. Na medida em que podemos utilizar, de acordo com nossas necessidades, as lembranças que temos, sejam elas importantes ou não, conseguimos tocar adiante.
Lembrei dessas palavras ao tomar a decisão de ir embora de Brasília, e, com isso, ter de me despedir deste espaço admirável _que, três décadas atrás, me capturou adolescente para o jornalismo.
Memórias de toda espécie se empilham na despedida. Colegas, leitores, políticos, pilantras, tanta gente inteligente que produz pouca inteligência, luas lindas, o horizonte que deixa ver o sol subir e descer, os melhores garçons e os piores motoristas do país, a alternância verde-marrom do cerrado, a reverência exagerada a qualquer autoridade... E notícias, notícias, notícias _de relevância cada vez mais difícil de precisar, dados o ritmo alucinante dos "fatos" e a demanda compulsiva da civilização do tempo real.
A alegoria de Murakami serve de consolo. Ficam a impressão de que vida e profissão queimam tudo e todos e a esperança de que, do terreno calcinado de lembranças e notícias, tenha brotado algo de substantivo e digno. Obrigado e tchau.

coluna de 11.mar.2013

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 4 de março de 2013

Dilma e o dragão

É curioso e significativo que Dilma Rousseff, logo ela, tenha manuscrito um bilhete mandando sua equipe afirmar o controle da inflação "como um valor em si".
Curioso porque a presidente sempre foi uma alma desenvolvimentista. Ministra de Lula, militou na ala anti-Palocci, que defendia relaxar a política monetária para ajudar a expandir a economia. Eleita, permitiu à inflação ascender além (do centro) da meta, enquanto alegava fatores sazonais e minimizava o aquecimento da demanda.
Significativo porque indica uma inflexão. Hoje, a inflação preocupa o Planalto mais do que o PIB.
O resultado da atividade econômica em 2012 (+0,9%) foi, de fato, anêmico. Mas há sinais de retomada. No último trimestre do ano, os investimentos em maquinário para produção e construção civil aumentaram. A indústria parece ter normalizado os estoques. Mantidos o ritmo da virada do ano e os juros baixos, o país crescerá além de 2% em 2013.
Além disso, estão programados para este ano leilões de rodovias, ferrovias, poços de petróleo, aeroportos e mesmo do trem-bala. Depois de levar traulitadas até de aliados, o governo melhorou prazos e taxas de retorno para quem apostar nessas grandes obras de infraestrutura.
O pacote logístico talvez não turbine o PIB de imediato. Mas contribuirá para aliviar o desânimo da iniciativa privada. Isso sem falar da nova lei de portos, que abre perspectiva atraente a investimentos.
Sobre a inflação, porém, não há boa notícia engatilhada. A taxa anualizada deve seguir rodando na casa de 6% nos próximos meses.
Não basta escrever bilhetes e reclamar dos "mercadores do pessimismo" para desarmar expectativas inflacionárias. Na ordem do dia estão calibrar as tarifas de importação, ajustar gastos correntes, manejar a supersafra de alimentos e aquietar o ministro da Fazenda, não necessariamente nesta ordem.

coluna de 04.mar.2013

melchiades.filho@grupofolha.com.br


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Os duelistas

Há propósito em Dilma romper o pacto de não-agressão com FHC e, no lançamento da campanha à reeleição, definir o PSDB como principal adversário. E em Aécio Neves, no mesmo dia, subir à tribuna do Senado para apontar erros da gestão petista e finalmente assumir sua candidatura.
O cenário confuso, com tantos atores se mexendo, empurra os antigos rivais à zona de conforto. Batem um no outro porque precisam um do outro _e talvez já nem façam mais tanto sentido um sem o outro.
Ao fustigar os tucanos, Dilma desfez o rumor de que Lula tentaria a sorte em 2014 e passou a liderar o noticiário da sucessão _do qual, curiosamente, estava quase excluída.
Não convinha ao Planalto que Marina Silva (Rede) e Eduardo Campos (PSB) recebessem toda a atenção. Até porque, para decolar, eles terão forçosamente de questionar o PT e o governo que um dia apoiaram.
Dilma mostra que está viva ao bater no PSDB. Delimita os campos e pressiona os demais partidos da base a escolher um lado _o dela.
Além disso, os tucanos têm sido presa fácil. A militância petista já roda no automático os ataques a FHC. Para atingir Campos ou Marina, seria preciso um software novo.
Que ninguém estranhe se a presidente tentar replicar tal polarização nos Estados, a fim de vitaminar a chance de seus preferidos a governador _sobretudo em São Paulo. A reforma ministerial, que ela começa a definir nesta semana, será um passo decisivo dessa estratégia.
A Aécio não resta senão aceitar o convite para dançar. Sua candidatura só será competitiva se atrair defecções no grupo governista. Por enquanto, ele não pode atacar nenhum partido que não o PT.
Daí o jogo duplo do mineiro na eleição de Renan Calheiros (PMDB) para o comando do Senado. Daí, também, seu esforço em manter aberta a porta para uma aliança de última hora com o PSB de Campos.

coluna de 25.fev.2013

melchiades.filho@blogspot.com

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Cadastro positivo

Interessado em adiantar o calendário eleitoral e fixar um slogan de apelo popular, o governo federal põe em risco a credibilidade da principal ferramenta de inclusão social que ele ajudou a implantar.
Criado sem alarde em 2001, o Cadastro Único hoje traz os dados de 70 milhões de pobres e miseráveis.
Permite não apenas localizar essas pessoas para o repasse de dinheiro _como o Bolsa Família. Mas também monitorar a frequência escolar das crianças, mapear carências e demandas de saúde e prospectar empregos ou outras oportunidades de inserção em cadeias produtivas.
A montagem do cadastro foi um sinal de vitalidade da gestão pública. Quebrou a lógica perversa das repartições. O Estado foi em busca do cidadão, e não o contrário.
Contribuindo para vigiar e depurar as informações, prefeituras e governos de Estado têm o direito de consultar a base digitalizada, assim como pesquisadores do assunto.
Mas, como todo arquivo vivo, que dirá num país de dimensão continental e tantas vulnerabilidades, o Cadastro Único não é perfeito. Exemplo disso é a recente "descoberta", pelo Ministério do Desenvolvimento Social, de 2,5 milhões de miseráveis até então ignorados pela lista.
O critério de pobreza extrema também é questionável. O teto da renda mensal per capita foi cravado em R$ 70 _se ganhar R$ 71, o sujeito não é mais miserável. Mais: tal valor permanece congelado desde 2009. Se ajustado pela inflação, estaria agora na casa de R$ 90.
Por isso, será licença estatística, senão mentira deslavada, anunciar que "acabou a miséria no país", como Dilma Rousseff ensaia fazer ainda neste ano. O governo conhece de perto as limitações do Cadastro Único. Sabe que a linha de indigência, além de tênue, está defasada.
Por isso, também, o Planalto deveria corrigir a métrica dos programas sociais antes de decretar o fim do ciclo de estímulos ao consumo.

coluna de 18.fev.2013

melchiades.filho@grupofolha.com.br

Marina e o 'Suco do Bem'

Deve ser lançada nesta semana a sigla que servirá de bonde à nova candidatura presidencial de Marina Silva. Terá nome heterodoxo ("Rede" ou algo assim) para reforçar o contraponto a "tudo que está aí" e a denúncia do "atraso organizativo da política brasileira".
Sempre haverá lugar para quem defender honestidade e zelo na vida pública. Marina melhorou o debate em 2010. Fará o mesmo no ano que vem. Merece estímulo.
Há, contudo, dois aspectos preocupantes no projeto "sonhático".
O primeiro é a viabilidade eleitoral. Desta vez, será mais difícil para o marinismo se diferenciar.
Na contramão de alguns de seus aliados, Dilma Rousseff até agora não descuidou da opinião pública. Sem prejuízo da conveniência marqueteira, a "faxina" de fato tirou dos cargos suspeitos de corrupção. Mensaleiros foram mantidos distantes do Planalto. O PMDB se fortaleceu "à revelia". A presidente nunca posou abraçada a Maluf.
Outro senão diz respeito ao caráter "antipolítico (no limite, apolítico) da "Rede", justo quando há um esforço de depuração _iniciativas de transparência pública, o envolvimento do Judiciário, a atuação da imprensa independente, a multiplicação de vozes na internet etc.
Falta, claro, autocrítica a muita gente em Brasília, alheia ao que dela pensa o país. Mas não falta autocrítica também aos "antipolíticos"? Renan Calheiros provavelmente conhece o Brasil mais de perto e a fundo do que a maioria das pessoas do abaixo-assinado contra a eleição dele à direção do Senado. No mais, nem todo político é bandido. Quem reuniu provas do mensalão foi um deputado do... PMDB!
Marina não é o "Suco do Bem" da política. Não detém a patente das virtudes. Deveria desautorizar o rótulo fácil, o oba-oba promocional e o discurso que, de certo modo, põe em xeque as instituições democráticas pelas quais tanto se lutou.

coluna de 11.fev.2013

melchiades.filho@grupofolha.com.br

sábado, 5 de janeiro de 2013

Um prefeito que desse jeito

Ainda existe quem estranhe quando Eduardo Paes afirma que prefere completar o segundo mandato na Prefeitura do Rio a buscar uma eleição algo garantida ao governo do Estado.
Afinal, reza o senso comum que os políticos devem aproveitar o embalo para galgar a escada de cargos eletivos. Tudo menos ficar sem mandato entre um degrau e outro.
Como, além disso, o PMDB não dispõe hoje de nome mais forte que o do prefeito para dar continuidade à administração de Sérgio Cabral, virar governador em 2014 seria o caminho natural para Paes.
Ocorre que as coisas estão mudando _e, pelo jeito, não só no Rio.
Uma nova safra de prefeitos toma posse amanhã inclinada a cumprir os quatro anos de mandato _se possível, engatando outros quatro. Parece ter percebido que pular de uma cadeira para outra não é necessariamente a melhor estratégia.
A asfixia orçamentária dos Estados ajudou a amadurecer esse diagnóstico. E está bem fresco o antiexemplo de José Serra, que se espatifou nas urnas depois de deixar dois mandatos incompletos _um deles no nascedouro_ em São Paulo.
Mas esse viés defensivo não explica, sozinho, a guinada. Os prefeitos eleitos também notaram que têm pela frente uma grande oportunidade de fazer a diferença _se honrarem o compromisso de quatro anos assumido com o eleitorado.
Nada melhor para o currículo de Paes do que ficar marcado como o prefeito que comandou a reviravolta carioca e conduziu a cidade à grande festa da Olimpíada de 2016.
Guardadas as diferenças, é o mesmo desafio de Fernando Haddad (PT), Gustavo Fruet (PDT) e ACM Neto (DEM). Reduzir o deficit social e o caos de São Paulo, recolocar Curitiba na vanguarda urbanística, tornar Salvador um município à altura de sua riqueza cultural e histórica, um feito assim pavimentaria o futuro político de qualquer um.

coluna de 31.dez.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

domingo, 30 de dezembro de 2012

Dilma fica acuada, e PMDB, revigorado

Dilma Rousseff chega à metade do mandato com popularidade recorde, base partidária intacta, a vitória eleitoral mais crucial de 2012 e um cardápio de medidas para aquecer a economia.
Nada, porém, permite antever um 2013 tranquilo para o governo e para o PT.
O desfecho do mensalão ainda está distante. Haverá o impacto midiático da prisão dos condenados. E, ainda que o STF dê início à apreciação do braço tucano do escândalo, a maior expectativa é se será ou não instalado um outro inquérito-mãe, amparado em novas revelações de Marcos Valério.
Nesse segundo "round", procuradores e policiais investigariam a suposta participação de Lula no esquema de desvio de dinheiro público para a compra de apoio parlamentar. Assessores do ex-presidente, como o faz-tudo Freud Godoy e o tesoureiro Paulo Okamotto, teriam as vidas devassadas.
Existem ainda as pendências da Porto Seguro, operação da PF que causará constrangimentos à medida que vazarem e-mails apreendidos no escritório e na casa da ex-assessora íntima de Lula.
No limite, os dois casos poderão manchar o governo Dilma e resultar na interdição eleitoral de Lula, trauma que o Planalto e o PT parecem não descartar. Gilberto Carvalho, ministro e porta-voz lulista, convocou a militância às ruas porque o "ano será brabo". Lula avisou que sairá em caravana pelo país para defender o "legado".
Outro fator de instabilidade é a economia. Até aqui, o hiperativismo da equipe dilmista não engajou o empresariado. Talvez seja impossível tutelá-lo e ao mesmo tempo convencê-lo a investir.
Esse capitalismo de "lucro tabelado" e os resultados anêmicos do PIB levam a iniciativa privada a buscar alternativa na política. O assediado da vez é o governador Eduardo Campos (PSB-PE).
É prematuro apostar em ruptura, mas não em corrosão. O provável é que um núcleo de siglas médias (PSB, PDT, o PSD kassabista) flutue dentro da coalizão, enquanto avalia a conjuntura e recruta apoio e financiamento para voo próprio.
Dilma, assim, aos poucos se vê empurrada para outro aliado, este sem projeto solo.
No governo, o PMDB já faz o papel de ouvidor dos setores insatisfeitos da economia. Tem no vice-presidente Michel Temer o melhor nome para aproximar os três Poderes, atritados em razão da hipertrofia do Executivo e agora também do Judiciário. E deverá tomar o comando do Congresso, com Renan Calheiros (Senado) e Henrique Alves (Câmara). É nessa legenda versada em driblar e fabricar crises que a presidente terá de confiar.
Resumo: o PT estará forte mas na linha de tiro, a oposição ganhará contorno dentro da base, e o PMDB poderá virar o fio-terra da República.

texto de 30.dez.2012

Tempo, mano velho

Embora os políticos repitam o mantra de que a eleição de 2014 já começou, os nomes mais cotados para a próxima corrida presidencial têm freado o ímpeto.
Essa hesitação causa alguma estranheza. Exemplos recentes tinham mostrado a importância de acelerar as campanhas, para aumentar a possibilidade de atrair e comover um eleitor cada vez mais arredio.
A Dilma, porém, ainda interessa o fantasma da volta de Lula. Se o padrinho não frequentasse as especulações, os ataques dos adversários estariam concentrados nela.
A presidente não ignora que seu governo tem pontos vulneráveis. É hora de vender uma agenda positiva, e não de cuidar de rebater críticas. Que dirá de montar chapa.
Apesar do raquitismo que aflige os parceiros restantes e lhes dá um sentimento de urgência, Aécio Neves ainda aposta no ensinamento do avô Tancredo: paciência. O tucano está convencido de que a oposição terá de apresentar um nome em 2014 e que, por gravidade, a candidatura cairá no colo dele. Não há necessidade de se antecipar.
Além disso, acredita que sua chance reside no naufrágio de Dilma e na erosão da coalizão federal. Confirmar já a intenção de concorrer só faria dar visibilidade às pesquisas que ainda mostram a presidente na liderança folgada e o senador mineiro na rabeira, comendo poeira.
A "terceira via" pensa do mesmo modo. Jornalistas e acólitos se afligem com as declarações ambivalentes de Eduardo Campos (PSB). Numa mesma semana, o governador pernambucano dá uma entrevista em que fixa um prazo de 90 dias para Dilma dizer a que veio e outra em que jura fidelidade a ela.
O jogo duplo busca manter aberto o horizonte. Romper tão cedo significaria ser metralhado agora por um governo popular e forte. Abdicar neste momento de 2014 acarretaria ser esquecido pelo noticiário nacional e devolvido à política paroquial.

coluna de 24.dez.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

À moda do chefe

Dilma exaltava em Paris seu plano de reestruturar o setor aeroportuário por meio de concessões à iniciativa privada quando cometeu a gafe: prometeu construir 800 terminais, um para cada cidade com mais de 100 mil habitantes.
O número passou batido na hora, mas está errado. Há no Brasil apenas 283 municípios desse porte _e quase a metade já tem aeroporto.
Na verdade, o projeto em formulação no governo federal contempla 200 terminais regionais. Algo ambicioso, mas muito aquém do que foi anunciado pela presidente.
Bastava alguém da Secretaria de Aviação Civil, da Infraero ou da Casa Civil pôr as coisas no devido lugar. Mas isso não aconteceu. Todo mundo fugiu da imprensa.
Uns, com pavor de levar a culpa, correram para descobrir de onde Dilma teria tirado o número irreal.
Outros deram de ombros. Afinal, é a presidente quem decide tudo mesmo _do conteúdo do PowerPoint introdutor das novidades à posição de estacionamento das aeronaves. Por que ela não poderia inventar uma meta estratosférica?
O caso, aparentemente menor, ilustra deficiência crônica deste governo. Muitas repartições estão paradas ou desmotivadas. Seja porque se pelam de medo da presidente. Seja porque, certas do atropelo do Planalto, deixaram de se importar.
Há algo de errado num negócio em que o subalterno jamais questiona o chefe. Qualquer especialista em gestão ou recursos humanos, desses que emplacam best-sellers em livrarias de... aeroportos, sabe que bons resultados aparecem quando há espaço e estímulo à crítica.
Dilma contribui muito para a agenda pública ao se dedicar à microgerência. Sinaliza cuidado com o patrimônio que pertence a todos.
Porém, ao desperdiçar energia em todo tipo de miudeza, a presidente aliena quem poderia ajudá-la no essencial. E, ao intimidar a equipe, só reforça nela a saudade de Lula.

coluna de 17.dez.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Mas, porém, contudo...

O governo derrubou os juros ao menor patamar da história, enfrentando o tabu da remuneração da poupança, mas a economia não reagiu como o esperado e crescerá apenas 1% neste ano _se tanto.
Dilma enquadrou os bancos públicos e forçou a queda do spread e tarifas em geral, mas viu o setor financeiro encolher e a inadimplência do consumidor bater recordes.
Lançou linhas de financiamento e desonerou a folha de pagamentos, mas não tirou a iniciativa privada da letargia _os investimentos caíram pelo quinto trimestre seguido.
O Planalto concluiu que o Estado não dará conta das reformas e ampliações e optou pela privatização dos principais aeroportos, mas cometeu equívocos nos editais que levaram a atrasos e à escolha de operadores sem a expertise desejada.
Abriu o setor portuário, desburocratizando a movimentação de cargas, mas alterou tantas regras que a judicialização hoje parece inevitável.
Constatou a alta margem de lucratividade dos concessionários e determinou a redução de 20% na tarifa de energia, mas errou nos cálculos e subestimou o impacto no orçamento dos governos estaduais.
A presidente anunciou novo regime automotivo, com estímulos tributários para o uso de tecnologia nacional, mas as montadoras vivem a primeira retração desde 2002.
Dilma levou a gestão ao centro do debate público, mas os tropeços consecutivos colocam em xeque sua reputação de boa gestora.
Agora releia cada parágrafo acima invertendo o lugar das orações separadas pela conjunção adversativa. "A economia não reagiu como o esperado, mas o governo derrubou os juros ao menor patamar..." e assim por diante. Neste caso, a ordem dos fatores altera o produto.
Por um prisma, vê-se que o governo federal, de modo contínuo e consistente, assenta terreno para a retomada da economia e abre janelas para novos negócios.

coluna de 10.dez.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A PPP de Lula

É ao mesmo tempo irônico e acintoso que a Agência Nacional de Águas seja colhida por um escândalo de distribuição de propinas enquanto o Nordeste enfrenta a pior seca em 50 anos.
Ou que a Agência Nacional de Transportes Aquaviários vire alvo de ridicularias justamente quando o Planalto retoca licitações e metas de desempenho para o setor portuário, um dos mais dramáticos gargalos de infraestrutura do país.
Ou que a Agência Nacional de Aviação Civil seja exposta como um cabidão de empregos no momento em que as companhias aéreas catapultam tarifas, extinguem linhas populares e demitem centenas de funcionários _e o governo redige os termos da concessão de dois aeroportos e completa a migração para a iniciativa privada de outros três.
Ou que fique patente a vulnerabilidade do MEC em pleno processo de aperfeiçoamento de cadastros e regulação universitária.
Ou, ainda, que a cúpula da Advocacia-Geral da União enfrente denúncias de corrupção logo quando era requisitada para sanar impasses de enorme impacto nacional, como a divisão dos royalties do petróleo.
A quadrilha desbaratada pela Polícia Federal impressiona, primeiro, pelos danos que causou e/ou pretendia causar ao erário. Uma única negociata no porto de Santos envolvia R$ 2 bilhões.
Impressiona, também, pelo apetite: além dos órgãos já citados, o grupo conseguiu se intrometer no Tribunal de Contas da União, na Secretaria do Patrimônio, no Banco do Brasil, na Brasilprev, nos Correios...
Mas impressiona, sobretudo, que toda essa rapinagem só tenha prosperado porque o governo se pôs de joelhos para atender o desejo de Lula. Rosemary Noronha virou chefe de gabinete apenas por (e para) privar da intimidade do presidente. É errado culpá-la sozinha pela mistura de agendas nessa lamentável parceria público-privada.

coluna de 03.dez.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Tão longe e tão perto

É digna de nota a reação do governo à operação policial que desbaratou uma rede de corrupção em órgãos federais e identificou a chefe de gabinete de Dilma Rousseff em São Paulo como facilitadora e beneficiária das fraudes.
O Planalto rapidamente cuidou de espalhar que a presidente ficou aborrecida com as irregularidades e especialmente com o comportamento de Rosemary Noronha. Que a
chefe de gabinete tinha relações próximas com Lula e José Dirceu, mas não com Dilma e assessores, que a consideravam "problemática". Que Dilma quase nunca utiliza o escritório da Presidência em São Paulo.
Não se explicou, claro, por que então a presidente manteve Rosemary no cargo por dois anos e permitiu que os cúmplices dela dirigissem e dilapidassem as agências reguladoras. Nada se falou, também, sobre Dilma ter transformado o gabinete paulistano no bunker de onde avaliou as eleições municipais na companhia de Lula e de cardeais do PT.
A verdade é que a presidente opera, ao sabor das conveniências do momento, os botões da semelhança e da diferença com Lula.
Quando pinta no noticiário algo desabonador que remeta à gestão anterior, como o mensalão, ela faz questão de guardar distância. Quando a ocasião permite ou exige, ela não hesita em festejar o padrinho e se associar às conquistas sociais do período dele.
Assim, para toda crise há uma saída: na saúde, Dilma exalta o legado lulista; na doença, avisa estar indignada e mete bronca na faxina.
Essa estratégia de ação e comunicação tem funcionado. Quem gosta de Lula se sente representado. Quem não gosta, idem.
Por isso não surpreende que, pela primeira vez, o brasileiro se lembre mais de Dilma do que de Lula para a sucessão de 2014. Ela foi mencionada espontaneamente por 26% dos entrevistados pelo Ibope. Ele ficou com 19% das preferências.

coluna de 26.nov.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Não anda

Dilma deixou o Congresso soltinho para discutir a distribuição dos royalties do petróleo e aprovar uma lei com dispositivos claramente inconstitucionais, que projeta longas batalhas na Justiça e ameaça o cronograma de leilões. Isso quando a Petrobras já tinha problemas mais que suficientes.
No setor elétrico, a opção foi pela truculência. Medida provisória mudou as regras radicalmente e exigiu adesão dos concessionários antes de definidos os critérios de remuneração. Nem todos, óbvio, toleraram a pancada. O impasse deverá forçar a reabertura de prazos e a revisão de termos. Dificilmente a presidente cumprirá a promessa de baixar em 20% a tarifa de luz em fevereiro.
A frustração com a licitação dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília nem o Planalto disfarça. Já no dia seguinte começou a estudar como reestruturar os consórcios que ganharam o direito de operar esses terminais. O plano de privatização de Galeão e Confins teve de ser colocado em banho-maria.
O governo reavalia seu modelo de concessão de rodovias. A cada semestre, ajusta o edital do trem-bala. Do pacote de mobilidade da Copa-2014, nem 10% saiu do papel.
Não espanta, daí, a baixa expectativa em torno do plano logístico para os portos, que em princípio seria anunciado amanhã. O mercado antecipa os embaços, as fragilidades técnicas, as incertezas jurídicas.
Dilma partiu de diagnósticos certos: os gargalos de infraestrutura precisam ser enfrentados e o quadro de depressão econômica reduz a resistência a mexidas regulatórias. Mas, não tendo até agora encaixado uma bola, ela corre risco de ficar carimbada como a presidente que não produz e não deixa produzir.
Não à toa, empresários fazem fila para conversar com o governador Eduardo Campos (PSB-PE), num ensaio precipitado, antes de perspectivas eleitorais mais definidas, da busca de "alternativa de poder".

coluna de 12.nov.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Vide bula

O PT tomará um banho de loja em São Paulo e lançará projetos dirigidos à nova classe média, impulsionado pela vitória de Fernando Haddad na capital e pelo diagnóstico de que, para conquistar o governo do Estado, é preciso ir além do discurso contra a pobreza.
De olho nessa fatia emergente do eleitorado, quatro petistas de São Paulo estão instalados em ministérios de projeção: Aloizio Mercadante (Educação), José Eduardo Cardozo (Justiça), Marta Suplicy (Cultura) e Alexandre Padilha (Saúde).
A disputa entre eles será _já é_ sangrenta. Mas a política vive fase curiosa, em que ser desconhecido virou vantagem. Lula animou-se com os "postes" que escolheu e elegeu. A bola "nova" da vez é Padilha, 41, e não os outros, veteranos.
O titular da Saúde, ao contrário de Dilma e Haddad, é petista de raiz. Milita desde adolescente e conhece bem o partido. No governo Lula, cuidou do mapa federativo, encarregado de ouvir e atender prefeitos. Imagine quantos galhos quebrou.
Outro trunfo dele é a hiperatividade. A Folha detalhou ontem o giro paulista do ministro nos finais de semana anteriores às eleições municipais. Em um só sábado, ele correu mil quilômetros e seis cidades. Não está a passeio.
No ministério, Padilha tem lançado programas em profusão: Rede Cegonha, SOS Emergência, Academias da Saúde, Melhor em Casa, Mamografia Móvel, IDSUS...
Trata-se de um portfólio de respeito, mas ainda de pouca visibilidade: a Saúde segue a área mais crítica e criticada do governo federal.
A verdade é que, enquanto Dilma não abraçar essa agenda e colocar a Presidência a serviço dela, a percepção popular não mudará _e a corrida de 2014 continuará aberta. Para lembrar: o PAC e sua "mãe" foram inventados três anos antes da eleição de Dilma e o "mauricinho" do ProUni foi avisado em 2009 que um dia seria candidato.

coluna de 05.nov.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Velhos hábitos

Lula saiu inteiro, se não fortalecido, da eleição que procurou, achou e consagrou o novo.
A humilhação sofrida em Recife, a falta de pernas em Salvador, o vexame em Teresina, a anemia em Porto Alegre, o despejo em Fortaleza e Diadema, a pulverização recorde do voto entre partidos: o ex-presidente recebeu múltiplos recados de que o eleitor não tem dono e de que nem todo "poste" ilumina.
Mas Lula viu e ajudou o PT a consolidar sua cobertura nacional. A sigla foi a única que cresceu em todas as regiões, nos pequenos e grandes municípios. Não deixou de colher vitórias em capitais também, casos de Goiânia, João Pessoa e Rio Branco, além da "barriga de aluguel" em Curitiba. E houve o extraordinário triunfo em São Paulo, desde sempre a prioridade zero.
A eleição de Fernando Haddad, aliada ao triunfo petista em outras prefeituras paulistas importantes, não apenas tira Lula da sombra de Dilma, mas o garante no comando, de fato, do partido no pós-eleição.
É Lula quem vai definir se o Planalto repactuará de imediato ou deixará em modo de espera as relações com o governador Eduardo Campos (PSB-PE), outro vencedor de 2012. Se Dilma montará um cerco a Aécio Neves, agora o tucano a ser abatido. Se o senador Lindbergh Farias romperá o pacto com o PMDB fluminense e se lançará num voo solo em 2014. Qual será o quinhão do neoparceiro Gilberto Kassab (PSD). E quem será o candidato do PT ao governo de São Paulo, fronteira final do projeto hegemonista do partido _um calouro como Dilma e Haddad (Alexandre Padilha), um sobrevivente (Aloizio Mercadante) ou o veterano supremo (ele próprio, Lula).
É para proteger esse líder redivivo da mácula e dos desdobramentos do mensalão que o PT começa hoje mesmo a tentar empastelar as condenações, com atos de rua, abaixo-assinados e ataques coordenados à imprensa e ao Judiciário.

coluna de 29.out.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Medo da morte

Vinte anos atrás, "matamos" Caetano Veloso e Gilberto Gil várias vezes. Eu trabalhava na equipe que desenhava e escrevia a primeira página da Folha. Um de nossos passatempos era imaginar notícias _e o destaque que receberiam na principal vitrine do jornal.
O desaparecimento de personalidades fazia parte daquele exercício de hierarquização: qual ganharia menção na capa, qual ficaria "acima da dobra" e qual, desbancando os demais assuntos, viraria manchete.
Em alguns casos, o debate esquentava. Mas, até onde me lembro, havia consenso de que tanto Caetano como Gil emplacariam a manchete.
Não sou crítico de música. Nunca fui tiete dos tropicalistas. Cresci com Baby e Pepeu. Mas o show de Caetano e Gil na semana passada, o primeiro que fizeram juntos em quase 20 anos, me pegou em cheio. Reavivou a brincadeira inconsequente do passado e me mostrou como o sentido dela se perdeu.
A voz de Caetano, que aveluda o que alcança; o repertório de clássicos; o violão percussivo de Gil; os arranjos acústicos belíssimos; a elegância discreta dos dois senhores de 70 anos, Caetano de sapatênis, Gil de chinelinho. Como "matar" aquilo que o tempo provou imortal? Essa foi minha primeira lição.
A outra doeu mais: realizar que a morte chegou, antes, para o jornalismo que se dedicava a enquadrar o presente _e até o futuro.
A internet não multiplicou apenas as informações e as plataformas de acesso a elas. Multiplicou as vozes também. Hoje, cada um escolhe sua manchete. Faz sua hierarquia.
O jornalismo vive, mas quando provoca reflexão, cobra o poder público, defende a cidadania. O simples ordenamento do noticiário é incapaz de se sobrepor à cacofonia.
Que Caetano e Gil tenham se reunido em Brasília num tributo a Ulysses Guimarães _símbolo de uma gravidade que deixou de existir_ foi só mais uma ironia implacável.

coluna de 22.out.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Taxa de insucesso

A taxa de reeleição de prefeitos caiu de 66%, em 2008, para 55%, neste ano. Menos prefeitos aptos quiseram se lançar (75%, contra 79%), o que elevou a renovação política de 60% para 72%.
Captada pela Confederação Nacional de Municípios, a tendência mudancista deve se acentuar uma vez resolvidas todas as pendências da Lei da Ficha Limpa e computados os votos do segundo turno.
Nas capitais ainda em disputa, por exemplo, o clima é de troca de guarda também. São Paulo é o caso mais conhecido, mas não o único. Em Salvador, Curitiba, Natal, Belém e Vitória, ambos os candidatos remanescentes significam ruptura.
Essa onda do "novo" merece estudo aprofundado. Mas é evidente que a economia ajuda a explicá-la.
Os prefeitos do quadriênio 2005-2008 tiraram proveito da alta alucinante de receitas. Em 2008, quando as reeleições bateram no pico, o caixa dos municípios engordou em média 15,2%. E já tinha engordado 11,2% em 2007 e 10,1% em 2006.
Logo no primeiro ano da gestão 2009-2012, porém, veio o tombo: taxa negativa de 1,4%, segundo a Frente Nacional de Prefeitos. Ou seja, com despesas contratadas na esteira de curvas ascendentes de arrecadação, as cidades se viram subitamente com menos dinheiro. Para agravar, houve o impacto do novo salário mínimo e de novas leis nacionais, caso do piso do magistério.
A maioria das prefeituras teve de suspender pagamentos, frear obras em execução e, pior, largar projetos que exigem custeio permanente (como creches e postos de saúde). Ainda assim, quase metade delas chegou ao dia da eleição com as contas atrasadas, afirma a CNM.
Devido às oscilações nas pesquisas, à pulverização dos votos entre partidos e ao surgimento, "do nada", de nomes competitivos em várias praças, falou-se muito do eleitor volátil. Mas o eleitor insatisfeito não pode ser esquecido.

coluna de 15.out.2012

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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Os incomodados que mudam

Pesquisas nos grandes municípios apontam que os eleitores nunca estiveram tão voláteis, trocando de candidato durante a campanha sem a menor cerimônia _para entusiasmo e, ao mesmo tempo, muita aflição dos institutos.
A tendência foi instantaneamente interpretada como um sinal de desalento do brasileiro e, até mesmo, de fadiga do sistema representativo. O cidadão, por essa leitura, se cansou de tudo e de todos na política. Daí a atração por nomes que desconhecia antes da propaganda.
Tudo isso pode ser verdade. Mas é verdade, também, que desqualificar o eleitor é a saída mais confortável sempre que as preferências contrariam prognósticos e interesses.
Se o eleitor estivesse tão indiferente, contudo, ele não faria o mais simples, apenas referendando ou rejeitando nomes que lhe são familiares? E, se de fato desiludido, não haveria voto nulo em larga escala?
Talvez o ato de pular de galho em galho, de aderir e abandonar, signifique outra coisa: a disposição de experimentar. Se não há "coerência", é porque não houve sucesso na procura de quem honre compromissos assumidos. Emendar Jânio Quadros, Luiza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta, Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab sugere inquietude, e não acomodação.
Certa vez um réu petista do mensalão, num desabafo que infelizmente preferiu não tornar público, me disse acreditar que a política está hoje em todo lugar, exceto nos partidos, cada vez mais ensimesmados e atolados em intrigas palacianas e desde sempre avessos à autocrítica.
O desempenho surpreendente de "anticandidatos" como Celso Russomanno (PRB, São Paulo), Ratinho Júnior (PSC, Curitiba), Daniel Coelho (PSDB, Recife), Carlos Amastha (PP, Palmas), Edivaldo Holanda Júnior (PTC, São Luís) e Edmilson Rodrigues (PSOL, Belém) não parece indicar a falência da política, mas de quem se julgava dono dela.

coluna de 09.out.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Carne trêmula

"Vem rápido, pai, que vai aparecer a barriga do Ronaldo!" A TV mostrava a estreia da série sobre a batalha do ex-jogador de futebol contra o excesso de peso.
Não sei bem o quê, mas algo isso deve significar. Quando eu era adolescente, atiçavam-nos com as Garotas do Fantástico. Antes, estico a memória, eram os musicais, os maiôs de paetês, as pernas. Ai, Sandra Bréa... Hoje nos dão a pança descomunal, o umbigo retesado, os 118 kg de luxúria e preguiça.
O mito Ronaldo não foi construído somente com gols e troféus, mas com uma sequência singular de episódios de superação. Joelhos estourados, cirurgias em série, maratonas de fisioterapia. Desfalques de agentes, casamentos tumultuados, passagem pela delegacia. Quando as parcas da crônica davam o atacante por liquidado, lá vinha ele zombar do destino e dos zagueiros.
É uma grande ideia colocá-lo para emagrecer em público durante três meses. Nada tão difícil quanto trocar hábitos ruins por saudáveis. Ronaldo nos provará que até isso é possível. Basta ter força de vontade.
Claro que interessa, também, afinar a imagem do garoto-propaganda da próxima Copa do Mundo _e turbinar as pretensões do candidato a assumir a direção do futebol brasileiro pós-2014. Não estranhe, ainda, se derem um jeito de monetizar até a taxa de triglicérides do ex-craque.
Mas algo não encaixa direito nesse "soft porn" da saúde _e não só a falta de sex appeal das imagens.
Na largada, o Fenômeno acordou cedo, comeu salada e se exercitou. Nada de cerveja nem de cigarro. Todo esse esforço, porém, veio temperado de tiradas sarcásticas, olhares de lado e sorrisos maliciosos, como a nos lembrar que, a cada esforço sobre-humano de redenção de Ronaldo, a vida lhe proporcionou novos tombos da carne.
A cintura vai diminuir, aposto. Mas duvido que deem cabo do Ursinho Ted dos boleiros e das periguetes.

coluna de 1.out.2012

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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Hoje só amanhã

Ninguém contribuiu mais para politizar o julgamento do mensalão do que Lula e o PT.
A oposição não tinha abraçado essa causa, seja por ter apanhado nas urnas, seja por saber que o holofote logo se voltará para o PSDB mineiro, primeiro cliente do valerioduto.
Foi Lula quem definiu como prioridade "desmontar a farsa" do mensalão ao se despedir do Planalto, quando recordes de popularidade lhe permitiriam fazer o que bem desejasse _lançar carreira internacional, sugerir novos projetos de inclusão, torcer pelo Timão etc.
Lula pressionou pessoalmente ministros do STF e, quando ficou evidente que Ricardo Lewandowski teria de entregar sua revisão e nada mais retardaria o julgamento, mandou o PT atiçar a militância e usar a CPI do Cachoeira para desviar a atenção e fustigar os adversários.
Tão logo saíram as primeiras condenações pelo esquema de desvio de recursos públicos, a direção do partido não hesitou em qualificar o STF de "instrumento golpista".
Não hesitou, também, em insultar o ministro relator, acusando-o de produzir uma "falácia" justo quando ele se preparava para tratar da participação ativa de petistas na compra de apoio parlamentar.
Cabe especular por que Lula e PT agem com o fígado. Uns dizem que eles perderam a mão. Outros, que tentam estancar prejuízos eleitorais. Mas é difícil acreditar que Lula, Zé Dirceu, Rui Falcão & Co vivam todos a mesma má fase. E nenhuma pesquisa vinculou o mau desempenho do PT nas capitais ao mensalão. Em São Paulo, por exemplo, o problema é o candidato: tem a metade do apoio do eleitor ao PT.
Resta uma hipótese. Esculacha-se o STF, o procurador-geral e a imprensa porque o mensalão é, como já disseram o delegado responsável da PF e Marcos Valério, uma teia criminosa bem maior do que a que está sob julgamento. Grita-se hoje para abafar o som do amanhã.

coluna de 24.set.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O ônus da prova

Pela primeira vez, o Judiciário brasileiro condena um político por corrupção. Pela primeira vez, também, condena em uma ação penal dirigentes de banco pelo crime de gestão fraudulenta.
Fracassou a aposta na lerdeza e/ou na complacência do tribunal, nas chicanas protelatórias e nas filigranas atenuantes. O exame fatiado da denúncia contra os mensaleiros tornou compreensível toda a rede criminosa, os votos do STF têm sido didáticos, as sentenças se sucedem e um destino sombrio parece selado para a maioria dos réus.
É natural que um julgamento que significa um marco contra a impunidade provoque repercussões inéditas. Assim como não havia precedente para vereditos tão cristalinos, não há no país "jurisprudência" para a reação de condenados.
O noticiário das sessões do mensalão no STF já vinha registrando o espanto dos advogados. Cedo ou tarde, chegaria a hora dos clientes, afinal os mais surpreendidos.
É por esse prisma que deve ser analisado o inconformismo de Marcos Valério com os rumos do processo, reportado pela revista "Veja". O publicitário, já condenado por peculato, corrupção e lavagem de dinheiro, reclama que está pagando além da conta. Diz agora ter sido mera engrenagem do esquema de desvio de dinheiro público para comprar apoio político ao governo Lula. Implica o próprio ex-presidente.
Seus recados, muito bem definidos pelo líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto, como um "ato de desespero de quem sabe que vai ser preso", provam que ainda restam muitos fios desencapados nessa história.
Quem zelará pelo silêncio do ex-diretor do Banco do Brasil, dos deputados, dos sócios do "valerioduto"? Réus que reclamaram do julgamento em baciada haverão de exigir cala-bocas "individualizados" quando estiverem atrás das grades.
É um erro achar que as sentenças encerram a novela do mensalão.

coluna de 17.set.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Artistas e modelos

Há uma mensagem por trás da dianteira folgada de Celso Russomanno (PRB) em São Paulo, dos ótimos desempenhos de Ratinho Junior (PSC) em Curitiba e de Manuela D'Ávila (PC do B) em Porto Alegre e até da vice-liderança de Marcelo Freixo (PSOL) no Rio.
São candidatos de legendas pequenas, sem apoio da máquina local nem destaque na propaganda de TV. Em teoria, deveriam desidratar.
Porém, cada um com seu alcance, os quatro aproveitam a onda geral de descrédito que alcança partidos e políticos. Pegam embalo no cansaço ou revolta do eleitor. Distinguem-se pela dissociação da imagem tradicional de quem pede voto. Como resumiu Russomanno à Folha: "Não sou político. Sou artista".
O voto desgarrado, indignado ou irreverente não é inédito na curta história democrática do país. Basta lembrar de Collor, Enéas e Tiririca.
Mas há uma novidade neste ano: a ausência de um contraponto político clássico, de figuras de referência.
Os medalhões da redemocratização evaporaram com o tempo. O tucano José Serra é a exceção _ou não, conforme apontam as pesquisas.
Nenhum partido se distingue. O PMDB é um condomínio decadente de coronéis. O PSB e o PSD, projetos de um só. O PSDB e o DEM espreitam a dispersão, a fusão ou outro "ão" igualmente desolador.
Sigla bem estruturada e operosa, o PT poderia ocupar o território. Mas não parece tão interessado.
Desperdiçou uma chance em 2006, na ressaca do mensalão. Expulsou Delúbio Soares, apeou José Genoino, privatizou José Dirceu e colocou João Paulo Cunha na geladeira. Mas logo desistiu da "refundação" e reabilitou todos os acusados.
E desperdiça outra chance agora: contra os fatos e o bom senso, afaga novamente os réus e qualifica o STF como instrumento "golpista".
O partido pode até colher vitórias em outubro. Mas o "novo" o eleitor passou a procurar noutro lugar.

coluna de 10.set.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Infecção generalizada

O julgamento do mensalão é um marco no combate à impunidade. Haverá, no mínimo, o impacto intramuros. O STF deverá dar celeridade a processos que envolvam políticos e contratos públicos. Como a Folha revelou no início do ano, mais de 250 inquéritos contra parlamentares estão na fila.
É precipitado, porém, apostar em um efeito desinfetante instantâneo e amplo. Os próprios políticos têm dado provas ostensivas de descaso às firmes respostas do Judiciário.
Tome-se o depoimento de Luiz Antonio Pagot à CPI do Cachoeira. Ex-diretor do Dnit (órgão que cuida de obras em estradas), ele admitiu ter ajudado o comitê eleitoral de Dilma Rousseff a arrecadar dinheiro. Contou que, a pedido do tesoureiro da campanha, procurou empresas que prestam serviços ao governo e têm interesse em novos contratos. Candidamente, revelou o fabuloso retorno: R$ 6 milhões em doações, mediante recibo. Disse isso tudo um dia depois de o STF ter explicado e reforçado seu entendimento sobre o crime de peculato.
Outro exemplo: as declarações do ministro Gilberto Carvalho de que o Planalto quintuplicará os investimentos em Franco da Rocha (SP) apenas se a população escolher um petista para a prefeitura da cidade.
E o que dizer de outros três ministros dilmistas, que conseguiram cavar tempo em sua agenda para gravar vídeos de apoio ao primeiro político condenado no mensalão? Nem Miriam Belchior (Planejamento), às voltas com os servidores em greve, nem Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário), desafiado por uma onda de protestos de sem-terra, nem Aldo Rebelo (Esporte), envolvido em nova rodada de inspeções da Fifa, viram problema em pedir votos para João Paulo Cunha antes de a Justiça se pronunciar.
O STF resgatou a força do Código Penal. Falta o Ministério Público, menos combativo nas Presidências do PT, se apresentar para o jogo.

coluna de 3.set.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O crivo do contraditório

As rusgas e desacordos entre relator e revisor não atrapalham nem comprometem o julgamento do mensalão. Pelo contrário. Tornam-no mais dinâmico e justo.
Joaquim Barbosa, o relator, tem sido duro com os réus. Sua decisão de fatiar o exame do caso facilita a compreensão do esquema criminoso. Quem jogava na confusão ficou desesperado; quem insistia na tecla de que o mensalão não passava de uma "farsa" foi exposto ao ridículo.
Em seu voto substantivo e substancioso, Barbosa não só corroborou as conclusões de uma CPI (presidida por um petista), da Polícia Federal e de dois procuradores-gerais da República. Foi além. Mostrou que existem provas, de sobra, do desvio de dinheiro público _seja para o enriquecimento ilícito de sanguessugas do Estado, seja para a compra de apoio político ao governo Lula.
Ricardo Lewandowski, o revisor, tem recebido críticas _não sem razão_ por ignorar conclusões da PF e dar excessivo crédito aos testemunhos de correligionários dos réus. Mas suas divergências de encaminhamento têm sido ponderadas. É importante seu alerta para que ritos e direitos não sejam atropelados.
As patrulhas se atiçam. O revisor é acusado de operar para evitar ou atrasar as condenações; o relator, de tramar a entrega expressa de cabeças à opinião pública. Este, leviano; aquele, complacente. É do jogo.
O que interessa: Barbosa se contrapõe a quem aposta na impunidade, e Lewandowski, aos que anseiam pelo linchamento geral e irrestrito.
Ainda que pontuado por arroubos de vaidade, esse contraditório faz bem ao Judiciário. Indica que não há cartas marcadas no plenário do STF. Contribui para legitimar o julgamento e os vereditos que hoje devem começar a ser proferidos. Algo valioso num caso com tantas repercussões políticas e jurídicas.
Em tempo: Barbosa, a partir de novembro, e Lewandowski serão os próximos presidentes do STF.

coluna de 27.ago.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Linha intermunicipal

Exagera quem trata a eleição de prefeitos como preliminar da corrida presidencial. Mas erra quem subestima o impacto nacional do resultado nas cidades.
As chapas não são montadas somente para atender demandas imediatas dos municípios. Elas visam, também, catapultar nomes, testar discursos, ensaiar alianças.
José Serra só foi o adversário de Dilma Rousseff em 2010 porque ganhou a eleição para prefeito de São Paulo em 2004. Ele vinha de três derrotas majoritárias (1988 e 1996, na cidade, e 2002, à Presidência). Seria difícil sobreviver a outra.
Não fosse aquela vitória serrista, a cara do PSDB hoje seria outra. A fila teria andado, e Aécio Neves, se firmado como liderança nacional.
Ainda em 2004: se Marta Suplicy tivesse sido reeleita, talvez o PT não estivesse de joelhos diante de Dilma. Lula teria opção que não a de inventar uma candidata "do nada".
O PSD só existe por causa de uma eleição municipal. Não houvesse renovado o mandato em 2008, Gilberto Kassab não teria adquirido musculatura para fundar do zero o quarto maior partido do Congresso.
No Rio, Sérgio Cabral, se vitorioso no segundo turno em 1996, teria motivo para ficar no PSDB, em vez de virar o mais entusiasmado cabo eleitoral de Lula no Sudeste.
Foi como vice-prefeito de Belo Horizonte que o tucano Eduardo Azeredo despontou, em 1989. Sua ascensão política correspondeu à formação de uma máquina poderosa de arrecadação ilegal, tão eficiente que chamou a atenção do rival PT e, anos mais tarde, foi convidada a se instalar no governo Lula. Talvez o valerioduto tivesse se expandido de toda maneira, mas, sem a gênese mineira, não haveria o mensalão ora em julgamento no STF.
A campanha dos candidatos a prefeito pega fogo a partir de amanhã, com a propaganda
na TV e rádio. Uma certeza: muitos envolvidos já (só) pensam no passo seguinte.

coluna de 20.ago.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br